Nova ferrovia na Serra Gaúcha traz promessas, mas revela lacunas no transporte regional

O anúncio de que será implantado um trem de passageiros entre Porto Alegre e Gramado marca um passo significativo para a mobilidade no Rio Grande do Sul. No entanto, enquanto se anuncia este novo modal, permanece a lacuna de transporte público eficiente entre Gramado e Bento Gonçalves — evidenciando uma disparidade entre os investimentos e a realidade de deslocamentos regionais.

Na última semana, o governo estadual autorizou, por meio da empresa privada SulTrens, a construção de uma linha férrea de 84 km ligando Porto Alegre a Gramado, com previsão de percurso em cerca de uma hora. O investimento estimado ultrapassa R$ 4,5 bilhões e a concessão tem duração de até 99 anos.

O trajeto deverá contemplar 19 municípios e 22 cidades em sua área de influência, e terá estações em um ponto próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho (Porto Alegre) e na Avenida das Hortênsias, entre Gramado e Canela.

PROMESSAS E EXPECTATIVAS

Segundo divulgados, os trens terão motorização híbrida (diesel-elétrico), capacidade para transportar entre 220 e 300 passageiros, com velocidade estimada até 120 km/h. O anteprojeto deve estar concluído em 2026, seguida da captação de recursos e licenciamento ambiental, com início de obras em 2028 e previsão de operação em 2032.

Na teoria, essa ferrovia pode aliviar o tráfego rodoviário, aumentar a atratividade turística da Serra Gaúcha e criar oportunidades de emprego e desenvolvimento regional.

A contradição: Gramado – Bento Gonçalves sem transporte público direto

Entretanto, longe dos holofotes dessa ferrovia, permanece um problema muito mais imediato para moradores e turistas: a conexão entre Gramado e Bento Gonçalves ainda é precária. De acordo com guias de viagem e plataformas especializadas, não existe ônibus direto entre Gramado e Bento Gonçalves — para realizar esse trajeto via transporte público, é preciso fazer baldeações, por exemplo passando por Caxias do Sul.

Em termos práticos, o deslocamento torna-se moroso ou caro — o site de passagens apresenta valores elevados para a rota Gramado → Bento Gonçalves. Não à toa, portais especializados descrevem a alternativa de ônibus como “travessia trabalhosa”.

“Para fazer esse percurso de ônibus é necessário dividir o deslocamento em dois trechos” – trecho da reportagem especializada.

Se a ferrovia promete inovação para o eixo Porto Alegre–Gramado, fica evidente que a malha de transporte entre polos turísticos da Serra — como Gramado e Bento – continua subutilizada e pouco planejada.

IMPACTOS NEGATIVOS E ALERTAS

A falta de conexão efetiva entre Gramado e Bento Gonçalves tem diversos efeitos:

  • Limita a mobilidade de turistas e habitantes entre dois dos principais destinos da Serra, desconectando o eixo vinícola (Bento) do eixo do turismo urbano alpino (Gramado).
  • Favorece o transporte individual (carro, táxi, apps) sobre o transporte coletivo, o que impacta em custo, acessibilidade e impactos ambientais. Guias apontam que um Uber entre Gramado e Bento pode custar entre R$ 250 e R$ 450. Viaje na Viagem
  • Contrapõe-se ao discurso de integração regional que frequentemente acompanha projetos bilionários de infraestrutura — se grandes investimentos são voltados ao trem Porto Alegre-Gramado, por que não há atenção equivalente à logística entre Gramado e Bento?
  • Questiona a sustentabilidade do modelo: investir centenas de milhões (bilhões) em novo modal enquanto rotas básicas seguem deficientes.

O que falta para avançar

Alguns pontos que deveriam entrar no debate:

  • Um plano de mobilidade regional que integre Gramado, Canela, Bento Gonçalves, Garibaldi e Caxias do Sul — não apenas para turismo, mas para uso diário de residentes.
  • Investimentos em rotas de ônibus, micro-ônibus ou shuttle regular entre Gramado e Bento com horários confiáveis, competitividade de preço e menor tempo de viagem.
  • Considerar a ferrovia como parte de um conjunto multimodal, e não apenas como atrativo turístico ou de luxo — se vai haver trem, que ele se integre à malha de ônibus e táxis, para que não vire “peça isolada”.
  • Uma agenda de curto-prazo — enquanto a ferrovia pode demorar até 2032 para operar, os usuários de Gramado-Bento demandam soluções .

DETALHE

A situação não é das mais confortáveis: quem quer sair de Bento Gonçalves pra Gramado a partir das 18 horas não tem transporte nem por Caxias do Sul. O último ônibus de Bento Gonçalves para Caxias do Sul. sai pontualmente às 18h com duração de uma hora e meia de viagem. Já de Caxias do Sul pra Gramado, o último ônibus sai às 19h. Então, os turistas têm que dormir em Caxias e pegar o ônibus das seis da manhã para seguir até Gramado.

CONCLUSÃO

Enquanto o projeto da ferrovia entre Porto Alegre e Gramado representa um avanço significativo em termos de infraestrutura no Rio Grande do Sul, ele revela também uma contradição evidente: a ausência de transporte público direto eficiente entre Gramado e Bento Gonçalves. Investir em uma linha de trem de alto padrão é bem-vindo, mas ignorar uma rota fundamental de mobilidade regional torna o conjunto incompleto — arriscando transformar uma promessa de mobilidade em mais um item de vitrine, sem impacto real no dia a dia das pessoas. A Serra, região de potencial turístico e econômico elevado, merece um sistema de transporte que funcione integrado, acessível e pensado para todos, não apenas para os que chegam de avião ou de carro, no entanto, prefeitos e vereadores das duas cidades que exploram os turistas parecem estar dormindo ou, simplesmente, de braços cruzados.

Texto e fotos: Cleiton Palmeira, do Jornal PASSAPORTE