O choro quase compulsivo de Luís Roberto Barroso em sua despedida do Supremo Tribunal Federal parece ter contagiado outros ministros. Dias atrás, Cármen Lúcia confidenciou a amigos que também cogita deixar a corte antecipadamente, talvez ainda durante o governo Lula. A ministra só se aposentaria do tribunal oficialmente em 2029.
Segundo interlocutores, o desgaste emocional também seria o motivo por trás da decisão. Assim como Barroso, a ministra tem buscado amparo em práticas espirituais alternativas. Cármen pratica o Reiki, método integrativo caracterizado pela imposição das mãos para canalizar a energia vital universal, na busca pelo equilíbrio do corpo e da mente.
Assim como Barroso, Cármen teve seu visto americano revogado pela Casa Branca e estaria com medo de virar alvo da Lei Magnitsky, como Alexandre de Moraes e sua esposa. Como a ministra não pretende se mudar para o exterior, eventuais restrições à sua vida financeira no Brasil teriam um impacto maior.
A ministra, que tentou dissuadir Barroso, tem apoiado o lobby pela indicação de uma mulher para a vaga, mas considera ainda baixa a representatividade feminina na Corte, desde a saída de Rosa Weber. Sua própria aposentadoria precoce poderia, com apoio de Janja, garantir um ‘reequilíbrio’.
VOTO CONTRA BOLSONARO
No julgamento do primeiro núcleo da trama golpista, Cármen foi quem deu o voto decisivo, formando maioria para a condenação de Jair Bolsonaro e de seus ex-ministros. Após o longo voto divergente de Luiz Fux, a ministra resolveu acelerar o placar final, anunciando apenas um resumo do que havia preparado.
Endossando a tese de Alexandre de Moraes, ela ressaltou o caráter inédito da ação, dizendo que seria “quase o encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro”. “Nossa República tem um melancólico histórico de termos poucos republicanos e, por isso, a importância de cuidar do presente processo.”
Para Cármen, o 8 de janeiro “não foi um acontecimento banal depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear”.
“A PGR fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras chaves do governo das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu, implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas ticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022”, disse Cármen Lúcia.
Ao interagir com Flávio Dino, a ministra disse esperar que o julgamento tivesse o efeito de “um remédio para que [a ameaça à democracia] não volte com frequência”. “A recidiva não é boa”, afirmou.
Em sessão recente, numa interação informal entre os ministros, Cármen disse que tem boa memória. “Há pessoas que têm problema para lembrar, eu tenho problema para esquecer. Queria até esquecer algumas coisas de vez em quando, principalmente algumas pessoas, e não consigo.”
CENSURA GERAL E IRRESTRITA
Foram destacadas suas posições na ADPF 1107, sobre a prática da desqualificação das vítimas em processos de violência contra a mulher; na ADI 4815, em que o STF afastou a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias, e na ADPF 101, pela qual a Corte proibiu a importação de pneus usados.
Naturalmente, a matéria não fez menção ao polêmico voto na ação que suspendeu a monetização de canais de direita e impediu a exibição de um documentário da Brasil Paralelo, durante as eleições. A ministra chegou a dizer que a decisão poderia “ser um veneno ou um remédio”.
Da Coluna do Cláudio Dantas