Celular, pau de selfie e microfone: influencers de Cristo viajam para pescar likes no Vaticano

A cena se tornou comum nesses dias de sucessão na Igreja. Em meio à multidão de fiéis, alguém saca o celular e começa a gravar um vídeo de costas para a Basílica de São Pedro. A morte do Papa Francisco e a iminência do conclave aumentaram o interesse pelos ritos do catolicismo. Influenciadores com e sem batina se anteciparam à fumaça branca e viajaram para caçar likes no Vaticano.

— Estava em Ouro Preto para gravar um documentário sobre a Semana Santa quando soube que o Papa tinha morrido. Na mesma hora, conversei com minha equipe e compramos as passagens para Roma — conta o padre Fabio Marinho, que também se apresenta nas redes como psicanalista, teólogo, filósofo, professor e palestrante.

Considerado uma celebridade no meio católico, ele ostenta cerca de 4 milhões de seguidores, somando redes como TikTok, Instagram. No conclave, o mineiro de 44 anos tem produzido vídeos didáticos sobre o processo de escolha do novo pontífice.

— Estou passando para o povo tudo o que vejo por aqui. As pessoas têm muita curiosidade sobre os bastidores da Igreja. E adoram quando a gente desmistifica um pouco o que acontece lá dentro — diz, apontando para a Capela Sistina.

Ligado à Diocese de Uberlândia, o padre conta que não tem mais paróquia fixa. Trocou o altar pelas redes com a ajuda de uma equipe que inclui produtor de vídeo, editor, revisora e secretária.

Outros sacerdotes suam a batina para pescar cliques por conta própria. É o caso do padre Aylson Bessa, que circula pela Praça de São Pedro com uma mochila nas costas. Nela carrega seu kit youtuber: celular, bateria portátil, microfone de lapela e pau de selfie.

— Quando os cristãos foram proibidos de entrar nas sinagogas, Jesus disse para eles pregarem do telhado. Hoje o telhado são as redes sociais — filosofa Bessa, lembrando que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) já convocou reuniões para treinar influenciadores católicos.

Para o cearense de 54 anos, o conclave foi uma bênção. Em 30 dias, superou a marca de 3 milhões de visualizações no Instagram.

— A receita é ter bom conteúdo e dar o recado de forma rápida. Se o vídeo tiver mais de três minutos, ninguém vê — ensina.

VIA-CRÚCIS

O padre começou a carreira digital quando foi estudar arqueologia bíblica em Jerusalém e notou a demanda por conteúdos sobre a Terra Santa. De tudo o que produziu lá, os vídeos que mais viralizaram foram os que retratavam a Via-Crúcis.

— Se eu posto um vídeo sobre o Santo Sepulcro, dá 20 mil visualizações. Se posto sobre o monte Calvário, onde Jesus foi crucificado, dá mais de 100 mil. Mexeu com o sofrimento de Cristo, aparece uma multidão para ver — conta o padre, que só grava vestido como sacerdote.

Influenciadores leigos também aproveitam o conclave para ganhar mais seguidores. De jeans e camiseta, Guto Azevedo passou a manhã de sábado gravando vídeos com um assistente. Aos 35 anos, o cearense comanda o Santo Flow, podcast com 550 mil ouvintes inscritos.

— O pessoal tá me reconhecendo na rua aqui no Vaticano — orgulha-se Azevedo. — Nossa intenção é mostrar tudo o que acontece aqui. Nos dias do conclave, fiz muitas transmissões ao vivo. Agora quero mostrar o clima em Roma depois da eleição do Papa — conta.

Azevedo trabalhava como radialista em Juazeiro do Norte quando teve a ideia de lançar um podcast religioso. Três anos depois, comanda uma equipe de dez funcionários e tem estúdio próprio em Alphaville, nos arredores de São Paulo.

— Havia uma demanda reprimida por um podcast católico. Quem chega primeiro ao rio bebe água limpa, né? — diz.

Seu recorde de audiência foi uma entrevista com o popular Frei Gilson, com quase cinco horas de duração. Agora ele quer gravar com outras celebridades católicas, como os padres Fábio de Melo e Marcelo Rossi.

Segundo Azevedo, a fórmula do sucesso é investir na linguagem coloquial e fatiar as entrevistas em cortes de poucos segundos. Ele publica cerca de 30 por dia, em diferentes plataformas.

— O corte é a mola que impulsiona um podcast — ensina.

Para bancar suas produções e viagens, Marinho investe no filão de palestras e livros religiosos. Nesta semana, aproveitou e lançou um novo e-book: “O Segredo do Conclave”, vendido a R$ 27 na internet.

PARCERIAS E HATERS

Com tanta audiência, os influencers de Cristo também são procurados por empresas interessadas em patrocínios e parcerias. Os dois padres dizem ter recusado propostas para fazer anúncios de bets. O dono do Santo Flow reclama que muitas marcas evitam patrocinar podcasts de temática religiosa.

— O católico come, vai ao banco, compra remédio na farmácia. Mas muitas empresas têm medo de se associar a nós — protesta.

Junto com os cliques, também aparecem os haters. Os dois padres influenciadores dizem bloquear quem faz comentários agressivos. Bessa afirma vigiar as próprias publicações para não pecar pela vaidade.

— Nas redes, existe a evangelização e existe a autopromoção. Eu me penitencio quando acho que estou me promovendo — confidencia.

Com crachás de imprensa fornecidos pela Santa Sé, os influencers de Cristo enfrentam as mesmas dificuldades dos jornalistas no Vaticano: longas filas, muitas barreiras de segurança e pouco sinal de internet.

— Ontem a minha internet caiu bem na hora em que ia sair a fumaça preta. Foi terrível! — queixou-se o padre Marinho na quinta-feira, minutos antes da escolha do Papa Leão XIV.

Do Extra/Globo