A história da ViagensPromo (VP) é, ao mesmo tempo, um retrato da ousadia que move o turismo brasileiro e um alerta contundente sobre riscos, gestão e confiança no setor. Fundada em 2018 por Renato Kido, a operadora cresceu rapidamente, ganhou protagonismo entre agentes de viagens e passou a ser reconhecida por produtos inovadores, estratégias agressivas e promessas de transformação do mercado. Mas, a partir de 2024, sinais de alerta começaram a surgir, e culminaram, em 2025, em uma das maiores crises recentes do trade turístico nacional.
Desde o início, o Mercado & Eventos esteve no centro dessa cobertura. Foi o veículo que deu os primeiros furos, antecipou movimentos societários, cobrou respostas quando o silêncio imperava e acompanhou, passo a passo, o impacto humano, jurídico e econômico deixado pela derrocada da operadora.
O furo que acendeu o alerta: setembro de 2024
Em setembro de 2024, durante a Abav Expo, o M&E publicou um super furo: a possível saída de Renato Alves, então sócio-diretor e uma das figuras mais conhecidas da ViagensPromo. O tema dominou os corredores da feira e levantou questionamentos sobre o futuro da empresa, especialmente diante dos rumores de uma aproximação ainda maior com a fintech Faturepag.
Na entrevista “Abriu o jogo! Kido fala sobre rumores da saída de Alves e futuro da ViagensPromo”, Renato Kido adotou um discurso confiante e enigmático. Negou a venda da empresa, admitiu mudanças internas e prometeu que “o mercado iria chocar”. Falou em transformação, nova filosofia de trabalho e em uma parceria com a Faturepag “muito além do que se imagina”.
Poucas semanas depois, o furo se confirmou: em 1º de outubro de 2024, Renato Alves deixou oficialmente a empresa. Kido passou a deter o controle total da operadora.
Outubro de 2024: o anúncio bilionário
No início de outubro de 2024, ViagensPromo e Faturepag anunciaram um acordo estratégico para a criação de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que poderia movimentar até R$ 1,5 bilhão por ano. O projeto foi tratado como um marco histórico: prometia pré-compra de passagens, pagamento antecipado a fornecedores, eficiência fiscal e segurança financeira para toda a operação.
O M&E já havia antecipado que a Faturepag teria um papel ainda mais relevante na estrutura da VP. Na prática, o fundo se tornou o principal pilar do discurso de sustentabilidade financeira da empresa. Para o mercado, soava como a resposta definitiva para um modelo ousado, baseado em fretamentos, promoções agressivas e múltiplos produtos financeiros.
Mas o fundo nunca saiu do papel.
A era da inovação e da complexidade
Até então, a ViagensPromo acumulava uma lista extensa de projetos e produtos:
- VPair, serviço de voos charter para o Nordeste
- VPPremium, fretamento aéreo de luxo
- VPcard, cartão exclusivo para agências
- VPpay, maquininha de pagamentos em parceria com a Faturepag
- VPincoming, expansão internacional na América Latina
- ViagensCorp, aposta no segmento corporativo
- Book2B, plataforma de gestão para agências
- VP Academy, braço educacional
A operadora se posicionava como muito mais do que uma intermediadora de tarifas: queria ser um ecossistema financeiro, tecnológico e operacional para agentes de viagens. O crescimento acelerado, porém, vinha acompanhado de altos custos, baixas margens, parcelamentos longos, promoções agressivas e uma dependência crescente de capital externo.
Fevereiro de 2025: a crise da ViagensPromo vem à tona
Em fevereiro de 2025, o M&E foi o primeiro veículo a jogar luz sobre a crise da ViagensPromo. A reportagem “O que pode estar por trás da crise na ViagensPromo?” revelou atrasos, cancelamentos, reclamações de fornecedores, agências e funcionários, além de um possível rombo que poderia ultrapassar R$ 70 milhões (número que só o M&E tinha acesso até então, vale ressaltar).
O ponto central era claro: o FIDC anunciado em outubro não havia se concretizado, e a empresa seguia operando como se os recursos fossem uma realidade iminente. O silêncio da Faturepag sobre o fundo, apesar das inúmeras tentativas de contato feitas pelo M&E, ampliou a insegurança do mercado.
Pouco depois, a crise se agravou com o rompimento de parcerias estratégicas, como o fim do acordo com a Easy Travel Shop (ETS), anunciado em janeiro de 2025.
Colapso, desemprego e prejuízos
A partir daí, o cenário foi de colapso. Funcionários foram desligados sem receber, fornecedores ficaram sem pagamento, agências tiveram que arcar com prejuízos para não deixar clientes desassistidos. Audiências públicas foram realizadas em Minas Gerais e São Paulo. Entidades como Abav, Braztoa, Protur e Moav se mobilizaram. Fundos emergenciais foram discutidos. Assessoria jurídica gratuita passou a ser oferecida a agentes afetados. Até mesmo outras operadoras auxiliaram nos embarques dos passageiros.
O M&E acompanhou audiências, ouviu advogados, especialistas, deputados, fornecedores, agentes e ex-colaboradores. Também abriu espaço para currículos de profissionais demitidos, numa tentativa concreta de mitigar os danos humanos deixados pela crise.
O silêncio e a reaparição
Meses depois, Renato Kido reapareceu em entrevista a outro veículo, sem apresentar respostas concretas. Atribuiu os problemas a ex-funcionários, assessores, agentes e fatores externos. Pouco depois, voltou a desaparecer.
Sem conseguir contato direto com o empresário, o M&E passou a cobrir a crise de outra forma: investigando documentos, ouvindo fontes, analisando registros públicos e acompanhando movimentações nos bastidores.
Reportagens revelaram contatos de Kido com ex-funcionários, pedidos de tarifários a hotéis, indícios de novas plataformas (Book2Pay, Jumpy) e a existência de empresas registradas em seu nome após o colapso da VP. Nada ilegal foi comprovado, mas os indícios levantaram questionamentos legítimos.
A reação do mercado
A reaparição de Kido gerou forte reação. Agentes, ex-funcionários, empresários e até Guilherme Paulus, fundador da CVC, criticaram a tentativa de transferência de responsabilidades. Depoimentos colhidos pelo M&E revelaram prejuízos financeiros, emocionais e reputacionais profundos.
Boletins de ocorrência, ações judiciais, notificações extrajudiciais e pedidos de chargeback passaram a compor o cotidiano de centenas de agências.
Um alerta para o turismo
A crise da ViagensPromo expôs fragilidades estruturais do setor: ausência de fundos garantidores, dependência excessiva de crédito, baixa transparência financeira e a falta de mecanismos eficazes de proteção para agentes, fornecedores e consumidores.
Mais do que contar a queda de uma operadora, a cobertura do M&E registrou um momento crítico do turismo brasileiro, com rigor jornalístico, independência editorial e compromisso verdadeiro com o trade.
2026: seguimos de olho
Enquanto processos seguem em andamento e milhares ainda aguardam respostas, uma certeza permanece: as cicatrizes da ViagensPromo continuam abertas.
E o Mercado & Eventos seguirá acompanhando, questionando e informando. Em 2026 e além.
Do Mercado & Eventos
