Relatórios indicam que desequilíbrio de gênero nas COPs enfraquece políticas climáticas globais

A desigualdade de gênero e raça continua a atravessar o debate climático global,  das mesas de negociação da ONU às comunidades diretamente afetadas pelas mudanças no clima. Embora o número de mulheres participantes nas conferências da ONU sobre clima venha crescendo lentamente, o avanço está longe de garantir voz ou poder real nas decisões que moldam o futuro do planeta.

Segundo a Women’s Environment & Development Organization (WEDO), apenas 35% dos delegados das COPs eram mulheres em 2022, e 77% das delegações tinham maioria masculina. Há 15 anos, o índice era de 31%, o que revela um progresso tímido diante da urgência do tema. Já o relatório Gender Composition, da própria UNFCCC, mostra que entre 2013 e 2023, apenas 30% dos participantes financiados por fundos oficiais eram mulheres e, em algumas regiões, o percentual não passa de 20%.

A ausência feminina, especialmente de mulheres negras, indígenas e do Sul Global, vai além das estatísticas. Significa menos protagonismo e menos influência sobre políticas que impactam, justamente, as populações mais vulneráveis. E o resultado é mensurável. Dados da FAO indicam que famílias rurais chefiadas por mulheres perdem até 8% mais renda em ondas de calor e 3% mais em inundações, em comparação às chefiadas por homens em países de baixa e média renda — perdas que somam até US$ 37 bilhões anuais.

Pesquisadores do International Institute for Environment and Development (IIED) apontam que barreiras estruturais, como financiamento desigual, estereótipos de gênero e falta de mentoria, dificultam o acesso das mulheres a posições de comando nas negociações climáticas. “As agendas de finanças, tecnologia e mitigação seguem dominadas por homens, enquanto as mulheres são empurradas para temas de adaptação ou assistência”, resume o estudo. Essa divisão reforça o abismo entre quem decide e quem sofre os efeitos das decisões.

O impacto vai além da representatividade simbólica. Quando as vozes femininas e racializadas são sub-representadas, as políticas climáticas se tornam menos precisas e eficazes, perpetuando desigualdades que deveriam combater. Diversos estudos mostram que projetos liderados por mulheres têm maior durabilidade, inclusão e impacto positivo nas comunidades, evidência de que diversidade é sinônimo de eficácia.

A UNFCCC tenta corrigir o desequilíbrio com o Plano de Ação de Gênero (GAP), criado para garantir “a plena, igual e significativa participação das mulheres” no processo climático. Mas, segundo a WEDO, a paridade de gênero nas delegações só deve ser alcançada em 2042, se o ritmo atual for mantido. Nesse contexto, a participação ativa do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) na COP30 ganha ainda mais relevância, já que, sob a liderança de sua presidenta, Dulce Maria Pereira, a organização vem promovendo diálogos, encontros e atividades com lideranças internacionais e mulheres cientistas, ampliando a visibilidade para a urgência de integrar gênero, raça e território nas decisões climáticas.

Dulce destaca que ainda que não basta focar apenas no gênero: é preciso integrar raça, classe e origem geográfica para enfrentar o chamado racismo climático, que intensifica os danos em povos indígenas, afrodescendentes e comunidades periféricas do Sul Global. “No fim das contas, a igualdade de gênero e raça nas decisões climáticas não é uma questão de representatividade é uma questão de eficácia e justiça. O direito ao clima é, antes de tudo, um direito humano. Enquanto as mesas de negociação continuarem ignorando mais da metade da população mundial, o mundo seguirá lutando não apenas contra o aquecimento global, mas contra o risco de uma transição ecológica excludente e injusta”, diz.

DULCE MARIA PEREIRA

Arquiteta, ambientalista, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, onde coordena o Laboratório de Educação Ambiental. Professora e pesquisadora visitante no Instituto HUMA da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul. Primeira embaixadora negra do Brasil, foi secretária executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Presidiu a Fundação

Cultural Palmares. Mãe, feminista e ativista do Movimento Negro Unificado, integra várias redes nacionais e internacionais de pesquisadores e de cientistas. É membro do Conselho Editorial da revista Xapuri. Seu principal tema de estudos, nos anos mais recentes, têm sido as perdas ecossistêmicas, contaminações, injustiça climática e racismo ambiental, em processos de desastres sócio tecnológicos, como rompimento de barragens.

SOBRE O IDS

O Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) é uma organização dedicada à promoção da democracia participativa, à proteção ambiental e à justiça social. Por meio de projetos, pesquisas e iniciativas inovadoras, o IDS busca contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais alinhadas aos compromissos globais pelo clima e a sustentabilidade.

Da Jangada Consultoria de Comunicação