Ação da Defensoria revela cenário de fome e insalubridade em abrigos de Belém a menos de um mês da COP 30

A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) ajuizou uma ação civil pública contra a Prefeitura de Belém e a Fundação Papa João XXIII (Funpapa), responsável pela gestão da assistência social no município. A denúncia aponta a existência de banheiros sem portas, falta de comida e água imprópria para consumo nos abrigos de Belém, onde vivem refugiados, crianças e adolescentes, a menos de um mês da realização da COP 30.

Um vídeo mostra a situação dos banheiros, sem portas e em condições insalubres na unidade do bairro do Tapanã – (veja no vídeo acima).

Procurada, a Prefeitura de Belém, por meio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), disse que “ainda não foi notificada oficialmente pela Justiça”

De acordo com a ação do Núcleo de Atendimento Especializado da Criança e do Adolescente (NAECA), os espaços fazem parte da rede de proteção de alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e têm como objetivo assegurar a proteção integral de crianças e adolescentes privados da convivência familiar. Eles atendem menores que, por decisão judicial ou administrativa, precisam se afastar do núcleo familiar de forma excepcional e provisória, diante de situações de risco, violência, negligência, abandono ou grave vulnerabilidade social.

O documento aponta que, de acordo com dados da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), cerca de 270 pessoas vivem nesses locais, todos em condição de extrema vulnerabilidade. A Defensoria alerta que a função protetiva dessas instituições vem sendo comprometida pela descontinuidade contratual e pela ineficiência administrativa do município.

De acordo com a Defensoria, a nova gestão da Fundação desativou as cozinhas que antes funcionavam nos espaços de acolhimento e passou a contratar os serviços de uma empresa privada, responsável pelo fornecimento das refeições.

Contudo, as marmitas encaminhadas pela empresa têm apresentado graves irregularidades e defeitos, comprometendo a qualidade da alimentação oferecida às crianças e adolescentes acolhidos. Entre as irregularidades apontadas pela Defensoria estão:

  • Ausência de vigilantes nos serviços da Fundação;
  • Fornecimento exclusivo das refeições principais (café da manhã, almoço e jantar) em quentinhas, com pouca quantidade de proteína;
  • Ausência de lanches matinais e vespertinos, sendo que os lanches oferecidos são irregulares e limitados a bolachas, sem itens básicos como leite, suco e café;
  • Condições insalubres nos espaços, além de quantidade insuficiente de materiais de limpeza (faltam sabão em pó, álcool, desinfetante, água sanitária e esponjas);
  • Fornecimento insuficiente de itens de higiene pessoal para crianças e adolescentes, como shampoo, condicionador e desodorante.
  • CRAS e CREAS sem fornecimento de lanches para atividades coletivas e sem apoio alimentar adequado às famílias vulneráveis, com denúncias de moradores sobre a necessidade de chegar de madrugada para conseguir atendimento nos CRAS.

Espaços de acolhimento afetados

No documento, a Defensoria Pública do Pará, aponta também os espaços de acolhimentos afetados pela escassez de alimentos, materiais de higiene e problemas estruturais. São eles:

  • SAI Tapanã: destinado a indígenas venezuelanos da etnia Warao;
  • SAIF 1:acolhe pessoas em situação de rua do sexo masculino, com idade entre 18 e 59 anos;
  • SAIF 2: destinado a pessoas e grupos familiares em situação de rua;
  • SAICA:Recomeçar: espaço para crianças e adolescentes de 7 a 12 anos, de ambos os sexos;
  • SAICA:Esperança: acolhe adolescentes de 12 a 18 anos do sexo masculino;
  • SAICA: Dulce Accioli: destinado a adolescentes de 12 a 18 anos do sexo feminino;
  • CAERD: Emanuelle Rendeiro Diniz: espaço para mulheres vítimas de violência doméstica sob risco de morte.

Medidas solicitadas pela Defensoria Pública

De acordo com a DPE, diante da situação de grave violação de direitos, uma das determinações solicitadas na ação é a retomada imediata da oferta contínua de refeições adequadas e de materiais de higiene e limpeza nos serviços de acolhimento vinculados à CPSEAC.

O pedido prevê que, no prazo máximo de 10 dias, sejam disponibilizadas pelo menos seis refeições diárias nutricionalmente adequadas e seguras, além de materiais básicos de higiene pessoal e de limpeza, especialmente destinados às crianças e adolescentes atendidos nos espaços.

Além da retomada imediata da oferta de refeições e materiais de higiene, a Defensoria Pública do Pará pede que a prefeitura de Belém e a FUNPAPA adotem medidas orçamentárias, administrativas e operacionais para garantir a continuidade desse fornecimento nos serviços de acolhimento vinculados à Coordenação de Proteção Social Especial de Alta Complexidade (CPSEAC), com atenção especial às crianças e adolescentes.

O descumprimento pode gerar multa diária de R$ 10 mil, a ser revertida ao Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente ou outro destino definido pela Justiça.

O órgão também solicita que qualquer interrupção ou descontinuidade no fornecimento de refeições só pode ocorrer mediante decisão prévia e justificada em processo administrativo transparente, com ampla participação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional ou entidade equivalente. O descumprimento dessas regras acarretaria multa e responsabilização por desvio de finalidade.

Para o Espaço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias Indígenas Warao, a Defensoria pede medidas específicas, como substituição dos bebedouros quebrados, oferta de água potável, reabertura da sala de informática e espaço lúdico, instalação de portas nos banheiros coletivos, conserto da fossa, castração dos cachorros e reestruturação da equipe técnica.

Preparação para a COP 30 preocupa Defensoria

A Defensoria também apontou que em maio deste ano, encaminhou um ofício ao presidente da Funpapa questionando o planejamento das unidades de acolhimento para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30). Na ocasião, a equipe técnica informou que não existia um plano especial para acolhimentos de emergência durante o evento.

O órgão destacou a necessidade de ampliar vagas nos espaços de acolhimento, criar fluxos de contato com autoridades de consulados e embaixadas, e garantir serviços de tradução, assegurando a assistência consular.

Também foram solicitadas informações sobre os planos da Fundação para atender crianças e adolescentes que precisarem de acolhimento institucional durante a COP 30, mas, segundo a Defensoria, o pedido foi ignorado.

Diante das irregularidades e da falta de resposta, a Defensoria alerta que, enquanto o mundo volta sua atenção para a Amazônia durante a COP-30, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade no Pará continuam enfrentando a falta de estrutura nos serviços de acolhimento.

O que diz a prefeitura

A prefeitura de Belém disse que “reconhece e respeita o papel dos órgãos fiscalizadores, mas reforça que qualquer manifestação oficial depende de determinação judicial quanto ao acatamento da ação” e que, “assim que houver notificação formal, a Prefeitura irá se pronunciar nos termos legais”.

Ainda na nota, a gestão municipal disse que “a Funpapa mantém rotina permanente de monitoramento e manutenção em todas as suas unidades” e que as “refeições oferecidas seguem padrões nutricionais adequados, com porções balanceadas e em conformidade com as normas dos órgãos de controle”.

“A Fundação assegura ainda o fornecimento regular de materiais de limpeza e higienização, garantindo condições adequadas de trabalho, acolhimento e bem-estar em todos os espaços sob sua responsabilidade”, afirmou.

Também disse que “as equipes da Funpapa desenvolvem constantemente ações integradas de proteção social voltadas à população em situação de rua, por meio do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), dos Centros POP e dos Centros de Acolhimento Municipal de Alta Rotatividade (CAMAR)” e que “esses serviços oferecem acolhimento, alimentação, higienização, emissão de documentos, acesso à saúde, reintegração familiar, inserção no mercado de trabalho e capacitação profissional, reafirmando o compromisso da Prefeitura de Belém com a dignidade e os direitos da população em vulnerabilidade social”.

Do G1 Pará