Músico Hermeto Pascoal morre no Rio aos 89 anos

O multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal morreu, no sábado, aos 89 anos. A informação foi publicada nas redes sociais do músico. O hospital Samaritano Barra, na Zona Sudoeste do Rio, onde ele estava internado, informou, em nota, que a morte aconteceu às 20h22, “em decorrência de falência múltipla dos órgãos”.

“Com serenidade e amor, comunicamos que Hermeto Pascoal fez sua passagem para o plano espiritual, cercado pela família e por companheiros de música”, diz a postagem. “No exato momento da passagem, seu Grupo estava no palco, como ele gostaria: fazendo som e música. Como ele sempre nos ensinou, não deixemos a tristeza tomar conta: escutemos o vento, o canto dos pássaros, o copo d’água, a cachoeira, a música universal segue viva”.

Considerado pelo americano Miles Davis (1926-1991) “o músico mais impressionante do mundo”, Hermeto — três vezes vencedor do Grammy Latino — provou a viabilidade de se fazer música de alta elaboração rítmica, melódica e harmônica com panelas, chaleiras, regador, brinquedos infantis e até animais. Autodidata e intuitivo, ele entrou na música aos 10 anos, quando aprendeu acordeom com o irmão, mas só começou a escrever partituras depois dos 41 anos. Hermeto morava em Bangu, na Zona Oeste do Rio.

Entre o final de julho e meados de agosto, Hermeto, conhecido como “o bruxo” da música instrumental, fez uma série de nove shows na Europa, entre sete países. Em solo brasileiro, sua última apresentação foi em junho, no Circo Voador, a poucos dias de completar 89 anos. Na ocasião, a casa da Lapa se transformou em uma enorme festa de aniversário. Antes deste show, o alagoano falou ao GLOBO sobre o fôlego de vida que a música representava para ele:

— Quando subo no palco, não tenho idade. O corpo pode ser de 88, mas a alma vira menino de novo. A música é a vida. Se estou respirando, já estou fazendo som. Quando tomo água, também. Até o silêncio tem ritmo. Para mim, música é brincadeira de criança: tudo junto, sem fronteira.

Em 2023, Hermeto recebeu, em Nova York, nos Estados Unidos, o título de doutor honoris causa da Juilliard, prestigiosa escola de artes da qual suas músicas fazem parte do currículo. O músico ainda tem no currículo o mesmo título pelas universidades federais de Paraíba e Alagoas, seu estado natal.

No ano passado, Hermeto lançou seu último disco de inéditas, “Pra você, Ilza”, uma homenagem a Ilza Souza Silva, mãe de seus seis filhos e sua companheira de 1954 a 2000 (ano em que faleceu, vítima de câncer). O trabalho foi eleito pela APCA um dos melhores álbuns brasileiros de 2024. No mesmo ano, o músico ganhou sua primeira biografia, “Quebra tudo! – A arte livre de Hermeto Pascoal” (Kuarup), escrita pelo jornalista Vitor Nuzzi. Para o instrumentista, a música era a sua religião.

Aos 14 anos, Hermeto estava tocando com o irmão José Neto no rádio, em Recife. Aos 20, seguiu para o Rio. No começo dos anos 1960, se mudou para São Paulo e, tocando piano na boate Stardust, conheceu o guitarrista Heraldo do Monte (que o chamaria para o Quarteto Novo, criado para acompanhar Geraldo Vandré, e que fez fama ao lado de Edu Lobo e Marília Medalha no “Ponteio” do festival de 1967) e o jovem Lanny Gordin (com quem integrou o grupo Brazilian Octopus). Percussionista do Quarteto Novo, Airto Moreira, e sua mulher, a cantora Flora Purim, foram os responsáveis por levar Hermeto para os EUA. Lá, ele gravou discos e ficou amigo do trompetista e mago do jazz Miles Davis.

No Festival Internacional da Canção de 1972, Hermeto criou para a música “Serearei” um coral de porcos que não foi bem-visto pela ditadura, e acabou sendo censurado.

Hermeto, que deixa seis filhos, 13 netos e dez bisnetos, já chegou a dizer que “a idade não existe”:

— O que tem é o dia a dia. Eu não me canso. Quando se é feliz, a gente aprende a passar a felicidade para as pessoas.

Do Extra.Globo