Taís Araujo defende sua Raquel e trama inédita com heroína voltando a ser pobre em ‘Vale tudo’: ‘Tão bonito não ter vergonha de recomeçar’

Assim como no verso de “Isto aqui o que é?”, música cantada por Caetano Veloso em “Vale tudo”, Raquel “não se entrega não”. Mesmo que tenha construído uma empresa de referência gastronômica como a Paladar, a protagonista perde tudo e volta a vender sanduíche na praia sem desanimar. Esta é uma trama inédita do remake do folhetim, que, inclusive, gerou críticas de alguns saudosistas da versão original de 1988. De um jeito ou de outro, Taís Araujo, intérprete da heroína, defende a força da personagem.

— A Raquel tem essa capacidade de resiliência. Está com dívida, o que sabe fazer? Cozinhar. O que dá lucro mais rápido? Vender sanduíche na praia. Ela começa a fazer dinheiro da maneira que dá. Li muitas críticas sobre essa mudança na novela, mas a gravação das cenas foi bacana. Foi tão bonito toda a equipe junta vendo essa mulher falando: “Cara, eu vou fazer o que eu sei fazer, que é cozinhar. Realmente, meu talento é esse e não tenho vergonha de recomeçar” — reflete a atriz de 46 anos.

O renascimento da cozinheira serve como inspiração para Taís, que também precisou retornar às suas origens. Um dos períodos mais importantes para a atriz foi há 15 anos, após interpretar Helena, em “Viver a vida”, protagonista que foi rejeitada pelo público na ocasião.

— Depois dela, voltei para o teatro e fiz peça de grupo, na busca da construção da artista que eu queria ser. Coloquei em prática a coletividade e aprendi a importância de voltar para minha essência. Entendi que a protagonista não necessariamente é o melhor papel de uma novela. A Aldeíde, por exemplo, é uma superpersonagem de “Vale tudo” e não é a principal. A Karine (Teles) brinca… — exemplifica Taís, concluindo: — Helena talvez tenha sido o meu trabalho mais importante, porque, sem tudo isso, não seria a atriz que sou hoje.

CONFLITOS FAMILIARES

Adaptações à parte, o principal conflito do remake, assinado por Manuela Dias, continua sendo a relação terrível da protagonista com a filha. Mas, apesar de Maria de Fátima (Bella Campos) renegar a própria mãe, Taís tenta entender por que Raquel foi capaz de acreditar nas mentiras da vilã e perdoá-la mesmo após descobrir as verdades:

— Maria de Fátima é completamente contrária aos princípios da Raquel. Um filho pode fazer muitas coisas para contrariar os pais, independentemente de ser mau-caráter como a Fátima. Para nós, mães, a maior dificuldade é entender que os filhos não são uma réplica da gente. Eles têm desejos e anseios próprios, que existem para além de nós. É muito difícil se colocar nesse lugar, por isso não julgo a Raquel. Para salvar e resgatar um filho, uma mulher é capaz de qualquer coisa — afirma a mãe de João Vicente, de 14 anos, e Maria Antônia, de 10, frutos de seu casamento com Lázaro Ramos.

Com os meninos, Taís é só amor. Durante esta entrevista, a atriz interrompe o papo para trocar carinhos com a caçula.

— Penso muito que meus filhos são duas crianças privilegiadas e que precisam saber disso. Eles têm que entender o país em que moram, porque cada um é responsável por onde vive, pelo seu ambiente, pela sua comunidade. Crio os dois para terem senso dessa responsabilidade — enfatiza.

Filha de dona Mercedes, a atriz conta que sempre teve boa relação com a mãe, apesar de assumir que as duas batiam de frente, principalmente em sua adolescência.

— Trabalho desde os 13 anos. Enquanto as minhas amigas estavam indo para a boate, eu estava levantando cedo para trabalhar. Devo ter dado muito trabalho para minha mãe (risos), mas ela também teve muita sorte. Porque éramos eu, que já trabalhava, e minha irmã (Cláudia), que estudava medicina. Não precisou se preocupar com saídas, madrugadas, bebidas… Mas também não fui uma adolescente santa não, tá? Eu era bastante respondona, brigava com a minha mãe, debatia muito com ela — revela a artista, deixando claro que hoje só quer saber de paz em família: — Não sou respondona mais. Tô velha, né? Minha mãe é uma senhora de 70 anos, meu pai (Ademir) tem 80. Só desejo que sejam felizes, tenham qualidade de vida, sabe? Sou muito sortuda de ter pais muito presentes, amorosos e conscientes. Pretendo proporcionar a eles os melhores momentos.

O PODER DO CABELO

Bem diferente de Raquel, que vem chamando atenção do público ao ostentar seus cachos, Taís usou lace de fios curtinhos neste ensaio para a Canal:

— Antigamente, usar peruca era motivo de vergonha. Nós, mulheres negras, rompemos com isso. Podemos ter o cabelo que a gente quiser. Modificar é liberdade. Se um dia eu quiser estar com o meu black, vou estar. Assim como se eu quiser colocar uma lace lisa até a cintura. Não é o outro que vai determinar. Ninguém é meu dono. Não dou abertura para julgarem as minhas escolhas!

Para Taís, a versatilidade do cabelo de uma pessoa negra vai muito além dos fios.

— O nosso cabelo diz muita coisa sobre como a sociedade foi formada e como ela vê a população preta. Esse debate também mostra como os pretos foram taxados durante muitos anos. Como se alguém mandasse na gente — pontua.

Apesar do discurso forte da atriz, ela descobriu o poder do seu cabelo há cerca de 20 anos, por um acaso. Acostumada a fazer relaxamento nos fios até então, Taís passou por um perrengue ao usar um aplique para interpretar Preta de “Da cor do pecado” (2004), sua primeira protagonista na Globo:

— Na hora em que fui colocar o aplique, meu cabelo caiu. Decidi não fazer mais o relaxamento, já que eu precisava ter o visual da Preta. Eu nem lembrava como eram os meus fios naturais. Depois, fui aprendendo a mexer neles, a gostar deles. Vi que eram lindos. Hoje, meu cabelo serve de inspiração. Este é um momento de reconhecimento de uma beleza que a vida inteira eu escutei que não existia. Não era belo. Toda criança negra escuta gente falando mal do cabelo dela. Isso é uma constante na nossa vida, por isso que é legal essa descoberta!

Além dos cachos de Raquel, as cenas de amor entre ela e Ivan (Renato Góes) têm despertado o interesse do público. Nas redes sociais, muitos internautas comentam sobre as sequências quentes em que a protagonista usa lingeries sensuais.

— Tudo que mexe numa coisa que diz respeito a todos, como o sexo, toca nas pessoas de forma diferente, de acordo como cada um vive aquela situação. Tem gente que vai gostar, outros vão ter repulsa. (O sexo) pode ser tabu, sim. Quando vem a público, como numa cena de novela, pode incomodar ou agradar — avalia a artista, que preferiu não responder se usa lingeries como as de Raquel: — Sexo é uma coisa íntima. Acho que esse assunto tem que ficar no lugar da intimidade.

TRÊS DÉCADAS DE TELEVISÃO

Com 30 anos de carreira, Taís iniciou na TV Manchete em “Tocaia Grande” (1995) e, no ano seguinte, foi alçada à função de protagonista em “Xica da Silva”, que a marcou aos 17 anos, numa trama polêmica, envolvendo sensualidade e sexualidade.

— Na época, eu não tinha como mensurar a importância da personagem. Confiava na direção do Avancini (Walter Avancini), apesar de brigar muito com ele. Foi um momento complexo, mas especial. Estava cercada de atores experientes que me davam suporte. Eu era intensa, comprometida, disciplinada no trabalho, até porque eu não tinha a chance de ser diferente em casa — detalha.

Mal havia terminado “Xica”, e Taís foi para a Globo dar vida à idealista Vívian no remake de “Anjo mau” (1997). A trama das seis estreou um mês após o fim do folhetim da Manchete.

— Fui para a Globo de forma muito impulsiva. Hoje em dia, não tenho mais esse comportamento, estou velha para ser assim. Na época, estava numa crise grande com o Avancini. Quando o Carlos Manga (diretor) me ligou fazendo o convite, aceitei de olhos fechados.

Com 29 trabalhos na TV no currículo, a atriz revela que se frustrou ao chegar na tela do plim-plim e pegar apenas papéis secundários.

— Fiquei sete anos com personagens menores e muito chateada. Hoje, dou graças a Deus. Precisava disso para chegar na Preta e fazer dela um sucesso.

Atualmente, Taís curte a maturidade profissional e pessoal. Para chegar ao equilíbrio, cuida de sua saúde mental de forma regular. Faz terapia há 17 anos, 16 deles com um mesmo profissional.

— Terapia deveria ser público porque todo mundo tinha que ter um acompanhamento. Não podia ser um privilégio de poucos. É muito importante a gente se reconhecer, entender as nossas origens, construir nossa identidade… A análise também ensina a dizer não. Fiz muitas descobertas na terapia — reflete.

Cuidadosa em relação a medicamentos psicofármacos, Taís nunca precisou de remédios para atravessar as fases difíceis:

— Não cheguei a ter depressão. O meu médico não me dá nem Dramin (remédio contra enjoo, que dá sonolência). Dá uma raiva dele (risos). Tive momentos de tristeza, e está tudo bem. As pessoas precisam naturalizar que a vida é feita de momentos de alegria e de tristeza. Isso é viver.

Do Extra.Globo