Artistas com deficiência sempre existiram, mas por muito tempo o capacitismo os manteve excluídos da cultura brasileira. Ainda hoje, poucos deles são conhecidos ou reconhecidos no país e, no caso da literatura, poucos deles são lidos.
“A principal dificuldade dentro da discussão da literatura é reconhecer o sujeito com deficiência como um sujeito produtor”, destacou a pesquisadora, filóloga e escritora Amanda Soares, 25 anos.
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Criadora do perfil no Instagram chamado PCD Perigosa, Amanda reforça que a literatura é um caminho para que as histórias de vida dessas pessoas com deficiência sejam conhecidas. No entanto, destaca ela, essas narrativas ainda são pouco acessíveis no país.
“A literatura é responsável por fazer com que a gente guarde a memória do mundo e com que a gente também reflita sobre um tempo específico do mundo. Ela é responsável por documentar cada tempo. Mas o que a gente sabe sobre pessoas com deficiência para além de acessibilidade e inclusão? Por isso é preciso estudar as narrativas de pessoas com deficiência, principalmente aquelas que são criadas sobre elas”, disse ela à Agência Brasil antes de dar uma oficina sobre Liter Def – literatura produzida por e para pessoas com deficiência – na Festa Literária Internacional do Pelourinho, a Flipelô, que acontece no centro histórico de Salvador.
Uma dificuldade encontrada por esses escritores, exemplificou Amanda, é conseguir participar de festas literárias, como a Flipelô, onde poderiam divulgar seus trabalhos.
“Pouquíssimos autores conseguem chegar aqui por uma série de questões financeiras ou estruturais porque o corpo com deficiência precisa de muito mais para conseguir se estabelecer. E a arte no Brasil é complicada, insalubre para qualquer corpo. Então, para um corpo que precisa demais, é bem complicado falar sobre essa visibilidade”.
Participar dessas festas literárias, defende Amanda, seria extremamente importante tanto para os escritores Liter Def quanto para seus leitores. “É necessário que a gente esteja presente fisicamente porque a literatura PCD [pessoa com deficiência], em geral, acaba se propagando no digital, que é muito importante, mas o contato físico ou o contato humano é muito significativo para a construção da memória porque é a partir dele que a gente entende a as características de humanidade. Eu me reconheço em você e você, mesmo sendo uma jornalista que não tem uma deficiência, se reconhece em mim em vários pontos porque a gente se atravessa. Esse tipo de contato é primordial para um autor com deficiência, inclusive para uma rede de contatos de trabalhos”, destacou.
Mapeamento
O universo desses escritores PCD ainda não é conhecido no Brasil. Mas, no ano passado, o Ministério da Cultura e a Universidade Federal da Bahia começaram a fazer um levantamento para mapear artistas, agentes culturais e profissionais com ou sem deficiência que atuam na área da acessibilidade cultural. Chamado de Mapeamento Acessa Mais, o projeto busca identificar esses profissionais em todo o território brasileiro com o objetivo de fomentar a criação de políticas públicas que possam tornar a cultura brasileira mais acessível e inclusiva.
Esses dados, diz o ministério, serão fundamentais para garantir que o setor cultural seja inclusivo e atenda às necessidades e demandas de artistas e profissionais com deficiência.
O mapeamento, destaca Amanda, vai ajudar a dimensionar a produção e, principalmente, ajudar a conhecer os autores PCD do país. “Acho que falta uma profundidade para trabalhar pessoas com deficiência dentro da literatura e dentro dos demais assuntos. Nós ficamos sempre [focando] no ponto da acessibilidade e inclusão, só que eu acredito que a acessibilidade e a inclusão são [apenas] ferramentas. Mas quem usa essas ferramentas? Se a gente soubesse mais sobre o sujeito, a gente defenderia melhor as ferramentas, justamente porque a gente saberia o por quê que ele as utiliza. É a partir do sujeito que se estuda todas as outras coisas”.
Ela também defende que esse levantamento poderá ajudar a desenvolver políticas públicas mais eficientes para essa população, que não pode ser baseada somente em cotas. “O fato de haver cota não necessariamente garante que a pessoa vai conseguir acessar a cota”, diz ela.
As cotas são super importantes mas, muitas vezes, a gente está definindo qual corpo vai conseguir acessar essa cota porque o corpo que tem deficiência intelectual, por exemplo, vai precisar de um terceiro para conseguir chegar até lá. Talvez falte uma política pública voltada a como preencher esses formulários e a identificar esses artistas e conseguir direcioná-los”.
A programação da Flipelô se encerra neste domingo. Mais informações sobre o evento podem ser obtidas no site https://flipelo.com.br
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Motiva, patrocinadora e parceira oficial de mobilidade da Flipelô 2025
Fonte: Agência Brasil – Elaine Patricia Cruz* – Repórter da Agência Brasil