Obesidade é doença, e não um padrão estético, dizem especialistas

Não é novidade para médicos que a obesidade é um fator de risco cardiovascular – e também não deveria ser para o público. Mas, em pesquisa recente da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, apenas 11% dos 2 764 consultados sabiam que o excesso de peso era agravante para o desenvolvimento de doenças do coração.

O fato é preocupante porque enquanto, por um lado, temos evidências relevantes a respeito dos malefícios do sobrepeso e da obesidade, por outro, observamos uma sociedade desinformada, com tendência a normalizar essa condição, apoiada por campanhas midiáticas que propagam a aceitação do corpo.

E realmente não podemos discriminar ninguém. Porém, não se trata de culto a um padrão de beleza, mas da conscientização de que o índice de massa corpórea (IMC) igual ou acima de 30 kg/m2 significa que sua saúde corre perigo.

A obesidade e o sobrepeso impactam o músculo cardíaco de maneira direta – a gordura acumulada ao redor do órgão prejudica seu funcionamento e amplifica a incidência de entupimento das artérias. E também de modo indireto, via fatores de risco que ela promove, como:

Hipertensão (doença pode ter origem na obesidade, uma vez que o menor fluxo sanguíneo nas artérias bloqueadas por gordura aumenta a pressão arterial)
Diabetes
Levantamento da American Heart Association (AHA) aponta que, em 20 anos, mortes por doenças cardiovasculares relacionadas à obesidade triplicaram nos Estados Unido. Elas saltaram de 2,2 por 100 mil habitantes, em 1999, para 6,6 por 100 mil habitantes, em 2020. A Federação Mundial de Obesidade projeta que, até 2035, um em cada quatro adultos viverá com obesidade.

No Brasil, estima-se que 60% dos adultos convivam com sobrepeso e 26% com obesidade. O Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, registrou 24 678 óbitos de indivíduos com idade entre 30 e 69 anos por causas cardiovasculares ligadas à obesidade entre 2010 e 2021, sendo maior o número de mortes entre 2019 e 2021.

Somos o que comemos
A SOCESP foi signatária do Manifesto por uma Reforma Tributária Saudável: Imposto Seletivo para Produtos Ultraprocessados, iniciativa da ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua na defesa de políticas de saúde.

O documento objetivava chamar a atenção das autoridades para que produtos ultraprocessados (refrigerantes, salsichas, salgadinhos de pacote, entre outros) ganhassem imposto seletivo, assim como já acontece com cigarros e bebidas alcoólicas, encarecendo e inviabilizando a compra em larga escala. Mas não foi o que ocorreu.

O governo federal incluiu no imposto seletivo apenas as bebidas com adição de açúcar e conservantes.

Precisamos priorizar a alimentação equilibrada e nutritiva, porque ela vai desempenhar um papel fundamental na prevenção e no tratamento da obesidade e das doenças cardiovasculares. Frutas, verduras, legumes, cereais integrais, leguminosas, oleaginosas e sementes são todos ricos em nutrientes e fibras e, portanto, promovem saciedade, colaborando para o controle do peso.

Em uma dieta saudável, o consumo dos ultraprocessados – com excesso de açúcares, gorduras saturadas e sódio – deve ser drasticamente reduzido. O Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde, é uma boa referência para comer bem.

Vale lembrar que o que vai à mesa é somente parte do tratamento da obesidade. Uma equipe multidisciplinar, composta por médico, nutricionista e psicólogo, contribui para o processo de perda de peso, uma vez que essa doença requer abordagens integradas para resultados satisfatórios.

Discussões acerca de projetos e estratégias para estimular a sociedade a encarar a obesidade com a seriedade que ela merece farão parte da programação do próximo Congresso da SOCESP, que acontece entre os dias 30 de maio e 1º de junho de 2024, no Transamerica Expo Center, na capital paulista.

Entre os temas, destacamos: Gorduras e risco cardiovascular: Para onde estamos caminhando?; Comportamento alimentar e saúde mental no contexto cardiovascular; Desafios da terapia nutricional no cardiopata; Evolução do conhecimento da ciência da nutrição no risco cardiovascular; Rotulagem frontal e políticas públicas de enfrentamento as DCNT e Diabetes e coração.

A obesidade necessita ser tratada com gentileza e respeito. O estigma e a discriminação podem ter impactos significativos na saúde mental e emocional das pessoas que convivem com a condição. Portanto, um cuidado empático e acolhedor é fundamental para promover a adesão e o bem-estar dos pacientes.

* Maria Cristina Izar é cardiologista, presidente da SOCESP (biênio 2024/2025) e professora adjunta livre docente da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo. Valéria Machado é coordenadora geral do Departamento de Nutrição da SOCESP e mestre e doutora em Ciências Aplicadas à Cardiologia