Milhões de dólares em cheques falsos e incontáveis milhas viajadas gratuitamente se passando por um piloto da Pan American Airways. Períodos trabalhando como advogado e médico, sem qualquer diploma. Se essa história não soa estranha, é porque um dos maiores diretores de todos os tempos levou-a às telas de cinema em 2002, em “Prenda-me se for Capaz”. Esta semana, Frank Abagnale, o homem que inspirou o filme de Steven Spielberg, esteve em São Paulo para uma palestra em evento da startup brasileira Unico.
O pano de fundo para a rara aparição no país – Abagnale visitou o Brasil apenas uma outra vez, há 10 anos – foi o Unico Launch 2024. A IDTech unicórnio (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão) apresentou, no evento seu IDCloud, plataforma que reúne todas as ferramentas da empresa, como seu reconhecimento facial, soluções de verificação de identidade, score de fraude, prova de vida com uma camada de detecção de ameaças.
Embora a apresentação represente um movimento importante para a companhia, um dos momentos mais aguardados foi a palestra do especialista em crimes de identidade e cibersegurança, Frank Abagnale. Não à toa. Representado no cinema pelo ator Leonardo DiCaprio, Abagnale construiu uma carreira de destaque no ramo com os relatos dramatizados nas telas e em sua autobiografia. Suas palestras custam entre US$ 20 mil e US$ 30 mil.
Se a descrição de seus feitos na década de 1960 são impressionantes, o que vem depois não deixa a desejar. Capturado pelo FBI, o especialista teria sido, posteriormente ao cumprimento da pena, convidado pelo serviço de inteligência e segurança dos Estados Unidos a dar aulas para os agentes em formação e atendido, por meio de sua consultoria, centenas de instituições financeiras e empresas como Amazon (AMZO34), Coca-Cola (COCA34) e Disney (DISB34).
Por anos, no entanto, alguns dos causos contados por Abagnale têm sido confrontados por jornalistas locais, livros e podcasts.
Frank Abagnale, o consultor
Desde que começou sua carreira, Abagnale afirma já ter conduzido mais de 3 mil palestras pelo mundo. A lista de clientes em seu site é extensa e conta com algumas das mais valiosas empresas do planeta. Uma das suas principais credenciais, é claro, é a relação com o FBI: “Leciono na Academia do FBI há mais de quatro décadas. Eu ensinei duas gerações de agentes do FBI”, disse durante a abertura no evento em São Paulo.
“O governo não me paga um centavo. Eu trabalhei para a CIA, o Tesouro americano. A agência que puder pensar, eu trabalhei com ela. Mas para qualquer serviço que tenha prestado ou palestra, nunca cobrei qualquer taxa”, contou, ao ser questionado pelo IM Business. Em seu site, a descrição diz que ele “dá palestras na academia do FBI e seus escritórios de campo”.
Controvérsias na carreira
Sua relação com o órgão americano teria começado em razão dos feitos de Abagnale que, segundo sua autobiografia publicada em 1980 e entrevistas a programas e veículos de imprensa, se passou por piloto de avião, médico, professor e advogado, além de distribuir um valor de US$ 2,5 milhões em cheques falsos.
A controvérsia acerca da “carreira de golpista” começa justamente perto da época de publicação do livro, assinado em co-autoria com o escritor Stan Redding, quando jornalistas locais passaram a questionar algumas de suas supostas vigarices.
No entanto, um livro publicado em 2020 pelo autor Alan Logan, chamado “The Greatest Hoax on Earth: Catching Truth, While We Can” (A Maior Farsa do Planeta: Prendendo a Verdade Enquanto Somos Capazes, em tradução livre), e o podcast investigativo “Pretend”, de 2022, produzido por Javier Leiva, são alguns dos materiais que concentram as principais apurações confrontando as histórias de Abagnale. O InfoMoney conversou com Leiva esta semana e pôde entender os caminhos que levaram jornalistas a confrontar a história.
Supostamente, todos os principais relatos de golpes teriam se passado entre os 16 e 21 anos de Abagnale. “Acontece que ele esteve preso pela maior parte desse período”, diz Leiva. O jornalista investigativo apresentou ao InfoMoney alguns dos documentos que, segundo sua apuração, comprovam os períodos de reclusão de Abagnale por crimes como roubo de automóveis e fraudes em cheques.
Em seu podcast, Leiva chegou a confrontar Abagnale com os mesmos documentos e ouviu do consultor que tanto seu livro quanto o filme são representações de sua vida das quais ele não teve participação – embora seja o co-autor da obra. Em seu site, no entanto, Abagnale dedica uma sessão a explicar que “escreveu o livro sob a perspectiva de alguém de 16 anos com a ajuda de seu co-autor”. Ele diz ainda que foi entrevistado apenas quatro vezes e acredita que foi um bom trabalho, “mas dramatizado excessivamente e exagerado algumas histórias”.
Um episódio do programa de auditório Tonight Show, apresentado por Johnny Carson, de 1978, anterior a publicação da obra, mostra Abagnale contando histórias sobre como se passou por um pediatra antes de ir preso, “supervisionando sete estagiários no turno da meia noite às oito da manhã”. Na mesma entrevista, Abagnale alega ter passado no exame da ordem de advogados dos Estados Unidos, similar à OAB, e trabalhado como procurador por quase um ano, em diversos casos. Publicações de jornais locais da década de 1970 já colocavam em prova as alegações.
Em uma recente entrevista ao jornalista Michael Judge, o consultor conta os causos de maneira um pouco diferente. “Eu acho que Stan Redding [seu co-autor] apenas pegou algumas informações. Eu me passei por médico, mas nunca trabalhei em um hospital. Eu também me passei por um advogado e perambulava pela promotoria de Louisiana, mas não era um promotor. Eu não passei no exame da ordem.”
Leiva dize que há muito, no entanto, que é real. “Frank realmente falsificava cheques, embora eles não tenham sido tão altos como ele costuma dizer”, afirma sobre o que encontrou enquanto produzia o programa. Abagnale também teria conseguido viajar por diversas rotas se passando por um piloto da Pan American.
Segundo Abagnale, sua prisão pelo FBI se deu devido aos US$ 2,5 milhões em cheques falsos da Pan American distribuídos quando era golpista. Anos após ser solto, ele teria devolvido os valores às empresas afetadas por meio de um escritório de advocacia, ainda que jornalistas como Leiva afirmem que a maior parte de suas fraudes ocorreram contra pequenos negócios e pessoas comuns – o jornalista também compartilhou parte dos documentos de processos com o InfoMoney.
Fonte Infomoney Crédito: Bastidores do filme Prenda-me Se For Capaz (2002)